quarta-feira, 29 de junho de 2011

Reminiscências sobre um corpo

(Luiz da 7ª DM, um guerreiro anônimo)

Vá meu colega, meu amigo. Vi seu corpo inerte, desnudo, ferido de morte naquela maca no IML, nesta fatídica manhã, fotografia tatuada na minha mente e alma. Antes estavam gravados a sua cara de Brutus com o seu coração de Bob esponja. A impotência frente a um corpo já sem o seu espírito sempre nos comove ao ponto de impregnar o ambiente de um silêncio denso, solene, imenso a nos imergir no pensamento comum a todo mortal. Havia mais três corpos. Embora bem próximos, tão distantes. Um ignorava a presença do outro, a sua origem, a sua história, o seu sentimento na hora fatal, o seu destino e sua sorte. A morte mútua não revelava nenhuma interação entre vocês, não traduzia nenhuma afinidade, a não ser a ausência de vida que não os tornava iguais, mesmo ali em estado semelhante. Por um instante ficamos só nós três: você, eu e a solidão da existência humana com o seu nascimento e morte, no seu enlace que afinal antes que uma ruptura, é uma sequência predeterminada pelo criador. “Morte, sina dos viventes”. Mesmo assim não era para ter sido assim a sua passagem: por causa banal, mesquinha, injusta. Mais um guerreiro anônimo que tomba no front da batalha desigual, porque o seu adversário é desprovido de regras e de honra. 

Agora nunca mais trabalharemos juntos num plantão na delegacia dos desamparados, naquele bairro excluído pelo poder público. Não mais lhe perguntarei: “Brutus, cadê Olivia Palito?” Nem mais verei a resposta do seu sorriso franco. Não mais tomarei aquela latinha de cerveja na sua companhia (sob a sua segurança, na verdade, você estava trabalhando) naquele lugar onde você ganhou dinheiro para dar assistência à sua família e onde ganhou a sua morte em troca. Quando eu cantar você não mais dançará, quando eu dançar você não mais sorrirá de mim. O meu descompasso agora será o do não encontro com você. Lá não pararei mais na minha passagem pra lhe ver e bebericar alguma coisa. Lugar onde você foi arrebatado dos seus entes queridos. A caneta que negou a sua ascensão funcional e financeira ajudou a selar a sua morte prematura.

Não nos encontraremos mais até que aquela imprevisível e gelada brisa venha para nos juntar em lugar melhor que esse de imperiosa catarse, onde aportamos quando saímos da primeira morada e da qual muitos chegam mortos ou chorando, como a temer algo que os espera.

Vá meu amigo, você morreu, mas sei que para Deus você não viveu em vão. És uma semente a frutificar em outro lugar... 

Alberto Magalhães

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Carlinhos cabeça branca não morreu


Ao contrário de um boato surgido, Carlinhos cabeça branca não morreu. Não.  Ele não nos deixaria tão cedo. Ele ainda tem que ir pra sua casa de veraneio na praia e pilotar seu bugre velho fumando aquele saboroso e maldito cigarro com gosto delicioso de mato seco. (não obstante vários amigos lhe dizerem: abandone esse veneno!) Mas ele precisava saciar sua vontade de absorver e expelir fumaça. Alguém que nunca fumou já imaginou quanto prazer existe no ato de fumar para o fumante contumaz? ou no carteado para o jogador,  na pelada para o futebolista, na cervejinha para o beberrão, nas letras para o escritor – e para o leitor, no namorar para o enamorado, no pescar para o solitário? Carlinhos cabeça branca precisa ir rondar com Catita, fazer pouco caso dos  formalistas e cuidar da sua família na casa que, com sacrifício e orgulho, construiu no Orlando Dantas nos tempos das vacas magras da Polícia Civil. Precisa ir conversar com o chefe maior – chamando-o de pai véio – e ponderar a favor de alguém. Em sua espontaneidade se confundiam o cidadão, o colega, o amigo, o homem humano... Ando tentando encontrá-lo pelos  corredores do COPE, nessas viaturas que circulam pela cidade ou no Recanto da Comida Caseira. Qualquer hora dessas irei encontrá-lo preocupado comigo e ouvir algumas das suas advertências que sempre me aconselhavam. Carlinhos de cabelos brancos derramados na sua alma alva. Está ficando difícil achá-lo nesse mundo moribundo de tantos valores mortos. Mas ele está por ai, depois de nos pregar uma peça quando se fingiu de morto. Isso eu não vi, felizmente. Por isso a sua imagem está bem viva, sempre viva a ensinar simples, mas profundas, lições para os tolos como eu.

Alberto Magalhães

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Direito penal