quinta-feira, 3 de junho de 2010

SSP, perseguição e direito de defesa

Por Paulo Márcio

Na época em que o Brasil ainda vivia sob o jugo do governo militar, o jurista sergipano Carlos Britto vaticinava: “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade”. A frase é lapidar, e, à maneira de um upanishad, encerra uma verdade que nem uma centena de tratados conseguiria explicar com tamanha clareza e precisão.

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da “livre manifestação do pensamento”, vedado o anonimato. Esse princípio, conjugado ao princípio da “liberdade de informação”, permitiu-me escrever diversos artigos aqui no Universo Político.com, cujos temas vertidos vão da filosofia à política internacional, passando, obviamente, por questões locais. Não poderia ser diferente: aqui é o meu lugar, a minha aldeia... E nem o Tejo, nem o Tâmisa, nem o Sena são mais bonitos do que os rios que banham a minha aldeia. Mas minha aldeia tem lá seus problemas, e eles não podem simplesmente ser lançados nos rios, entre dejetos e detritos, tisnando suas águas e enevoando nossas consciências.

Assim, seja cantando nossas belezas ou expondo nossas mazelas, aproveitei para divulgar alguns desses artigos entre meus colegas da Secretaria de Segurança Pública. Para tanto, utilizei-me de uma ferramenta chamada www.expresso.se.gov.br, nosso e-mail funcional, que desde que foi criado é utilizado para diversas finalidades, algumas delas estranhas à função policial civil, mas nenhuma, que eu recorde, de caráter ilícito.

Mas a chefia da polícia civil, sob a justificativa de limitar o uso do e-mail funcional a atividades estritamente policiais (numa esdrúxula interpretação de que o expresso é um “bem” da polícia civil), publicou uma odiosa portaria transformando em transgressão disciplinar o uso do correio eletrônico para fins diversos da atividade policial. A partir de então, mandar uma mensagem religiosa, desejar um feliz dia das mães, dos pais, dos namorados, ou tecer qualquer comentário que não rime com operação, prisão ou reunião tornou-se algo absolutamente proibido. Viva o princípio da eficiência! O sujeito pode passar o dia vendo sites pornográficos ou jogando paciência na tela do computador – desde que não use o e-mail funcional. É ou não é a revolução da gestão pública?

O gênio que criou a tal portaria nos quer burros, cegos e obedientes. Emitir uma opinião, fazer um juízo de valor, escrever um artigo e colocá-lo à disposição dos colegas por meio do correio eletrônico passou a ser visto como algo subversivo. Em pleno século XXI, a SSP de Sergipe criou um monstrengo, um monumento à estupidez e à intolerância como não se via desde os tempos do AI-5: “Oh! que saudades que tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais...”

É verdade. Eu, que nasci a 02 de junho de 1975 (parabéns para mim no dia de hoje!), tive a sorte de não sofrer, como muitos, as agruras do regime militar - era apenas uma criança de 10 anos quando Figueiredo despediu-se da Presidência da República. Todavia, a maldade tem uma capacidade ultrativa, de modo que o revogado AI-5 atravessou as barreiras do tempo para, reflexamente, alcançar-me por um seu filhote batizado de Portaria Supci nº 02/2010. Tremei, internautas!

(É por isso que nunca se deve cantar vitória antes do tempo. Eu, que acreditava pertencer à geração “cara pintada”, que assistira à queda do Muro de Berlim, que vira Lula e Déda chegarem ao poder, que me dedicara com um entusiasmo proporcional à minha ingenuidade à tarefa de elaborar um novo modelo de segurança pública para Sergipe, agora, aos 35 anos de idade (a sensação é que tenho 70) cheguei à conclusão de que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos... avós.).

No dia 06 de abril deste ano, a Corregedoria-Geral de Polícia Civil instaurou dois processos administrativos disciplinares contra mim. Meus crimes? Ora, escrever neste site e ter utilizado o correio eletrônico para divulgá-lo entre os colegas da SSP. As conseqüências? Se tudo correr conforme planejado, minha demissão do cargo de delegado de polícia, no qual ingressei mediante concurso público de provas e títulos. E olhe que estamos em pleno “GOVERNO DA MUDANÇA”, com direito a coraçãozinho e tudo. Como se diz em Itabaiana: pense?

Não tenho inimigos na SSP/SE, é bem verdade. Mas, por uma questão de ética e compromisso com minha família, meus amigos e meus leitores (tô ficando abusado, mas logo passa), não posso omitir a informação de que o que vem acontecendo comigo é obra do atual superintendente da polícia civil, delegado João Batista Santos Júnior, aquele senhor que tem uma intimidade incrível com microfones e um trato com os colegas de causar inveja aos mais afamados peões boiadeiros. Toca o berrante, dotô João Batista!

É da lavra de sua Excelência, doutor João Batista Santos Júnior, a estúpida portaria da mordaça, bem como partiu desse distinto senhor a ordem para a instauração dos dois processos administrativos movidos contra mim, pobre escrevinhador. Dito cidadão, que é graduado em direito e de quem, presume-se, seja conhecedor dos direitos fundamentais da pessoa humana, deve saber que existem remédios processuais para reprimir seus atos torpes e autoritários, e isso eu farei no devido momento.

Milan Kundera disse que todos somos fracos quando estamos diante de uma situação incontornável. O escritor tcheco sabia das coisas, pois vivera sob odioso regime comunista. Mas, numa democracia, em que pese também nos deparemos aqui e ali com situações semelhantes, há sempre uma possibilidade de escolha, um caminho a seguir. Ademais, temos um judiciário livre e uma constituição que nos serve de bússola. Por que, então, a covardia? Por que, afinal, a desonra? Com todo respeito, quem acha que essa é a melhor forma de agir não é homem; é espectro de homem, parafraseando o poeta.

E por falar em poeta, lembram do gaúcho Mário Quintana, aquele que foi preterido para uma vaga na Academia Brasileira de Letras por três vezes, sendo uma para Sarney e outra para Roberto Marinho? São dele os seguintes versos (Poeminho do contra), que dedico aos meus amigos da SSP e adjacências:

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

*Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, graduado em Direito (UFS), especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS), especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fa-Se) e colunista do Universo Político.com. Contato: paulomarcioramos@oi.com.br

Fonte: http://www.universopolitico.com.br/

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