domingo, 21 de fevereiro de 2016

A arte de comandar


A Polícia Civil não é só COPE, DHPP, Denarc, Deotap e GERB

Por Alberto Magalhães*

A cúpula da segurança pública mudará de novo. Mas, algo vai mudar? Os melhores delegados estarão nela, bem como estão na que está saindo, mas eles não são a Polícia. Esperamos, sim, que aprendam com os erros e acertos do passado para liderar e incentivar a tropa a realizar um profícuo trabalho. Afinal, acostumamo-nos com o pensamento sugerido que diz ser a cúpula, o comando, a chave para a segurança pública. Precisamos de mais agilidade e eficiência. E ficamos a esperar indefinidamente solução para as demandas históricas. Penso que fazer segurança pública não é como armar um jogo de xadrez. O tempo em que os generais, com um cachimbo na boca, se sentavam em mesas e traçavam estratégias para a vitória no campo de batalha, acabou. Nas grandes guerras a estratégia ficou em segundo plano. O que conta agora é o poderio bélico, de bombas, aviões, navios, armas e de homens. Coloquem outro Duque de Caxias no comando militar das três forças brasileiras e desafiem os Estados Unidos da América para nos atacar e verão o resultado.

Ora os bandidos estão nos atacando! Nas delegacias, nas residências, nos sítios, no comércio. Assassinam ostensivamente policiais militares, invadiram a 1ª DM, a 5ª DM, o Denarc, a DP de Itabaiana, a de Aparecida, etc., e já atentaram gravemente contra diversas autoridades do estado. O comando faz o planejamento, mas a tropa é essencial, cada homem é necessário, pois sem eles as bombas não são lançadas, os aviões não decolam, os navios não se movem. Imprescindível os comandantes, mas são os combatentes que morrem e se arriscam a fim de consumar a missão pretendida numa luta desigual, porque para o nosso inimigo não existe a lei, nem a ética e nem a honra. Na guerra todas as unidades são imprescindíveis, inclusive a que só dá suporte para o combate: sem os que providenciam o reabastecimento de combustível das naves, sem os que operam as informações de satélite, sem os que fazem manutenção e serviço nos equipamentos, nas armas e nos veículos de combate não haveria guerra. O que faz vigília para o inimigo não surpreender é igualmente importante. Não me deixem acreditar que sou descartável, e outro, e outros.

Não se faz a Polícia Civil só com o COPE, DHPP, Denarc e GERB. Para os quais se disponibiliza tudo. E as outras delegacias especializadas, de área e as do interior? Sem homens suficientes, sem condições de trabalho, sem motivação? Com profissionais desprezados em cada projeto produzido, preteridos do processo para o qual foram contratados. Não vemos mais as Seções de Investigações e Capturas em efetiva atividade. Os crimes rotineiros que o policiamento ostensivo preventivo não conseguiu atender, no seu turno, os policiais civis da área e das especializadas devem elucidar. Quando são feitas operações mirabolantes, com o helicóptero e centenas de policiais, no Santa Maria e Coqueiral é porque o Estado falhou, o poder público foi omisso.  Planejamento para coibir o crime é essencial, mas operações circunstanciais para inibi-lo configura-se estratégia paliativa. Já o poder de resolução de homicídios de repercussão, o auxílio aos integrantes das instituições fortes e aos políticos, bem como as informações privilegiadas ficam detidos nas mãos de um seleto grupo de delegados que integram o comando e que monopolizam as ferramentas de trabalho existentes nos principais núcleos de atuação.

É injusto, sobretudo, com a população desvalida de poder. Isso porque o interesse torna-se, sobretudo, midiático a fim de se dar visibilidade e prestígio somente àqueles que fazem parte do staff, ou seja, do grupo que naquele momento está no poder. Para que, se possível, se eternize no mando. Existe mais disputa entre grupos de delegados e com os segmentos que compõem a base, que outra coisa. Ficamos mentalmente cansados com essa tensão mal disfarçada. No desfecho das operações realizadas o que fica em evidência é o nome dos delegados que ascenderam aos cargos de cúpula, não a Polícia Civil. Como se só eles trabalhassem, fossem eficientes e necessários. Não os policiais civis ou os demais delegados “descartáveis”. Na Polícia Civil hoje só aparecem os “Duque de Caxias”, os caciques. Não é mais importante o caso do cash explodido na madrugada (quando nem gente tinha no banco) que os crimes comuns. O povo está sofrendo em cada esquina, nos ônibus, na porta de casa e os policiais que eram mais combativos, abnegados, com mais experiência foram desativados para não ofuscar o brilho dos delegados de carreira.

Quando membros da imprensa forem entrevistar o delegado participante da operação dê importância ao agente que pulou o muro e arriscou pegar uma bala na cara. Falem da equipe que tornou a operação possível. O agente João Ricardo foi promovido por bravura ou recebeu condecoração quando, sozinho, travou embate armado mortal com dois assaltantes na porta de casa comercial? E eu poderia citar muitos outros.  Qual cacique sai do Olimpo e nos faz visitas para conversar com a gente, visualizar as nossas condições de trabalho ou verificar como o delegado policial civil está gerindo a unidade? Em verdade, o agente e o escrivão não têm voz em sua própria casa. Não são verdadeiramente considerados como qualificados profissionais de segurança, detentores de cargo público autônomo em suas funções. O coronel é tão policial quanto o soldado recruta. Assim também deve ser na PC. Mas, há delegado que quer nos tratar como funcionário comum, daí surgem os impasses.

Há delegados que usaram o domínio administrativo para nos manipular e nos enfraquecer. Por exemplo, concedendo promoções e gratificações extras somente aos agentes próximos e até mesmo as senhas para acesso às ferramentas do trabalho investigativo virtual. Suprimindo prerrogativas. Limitando a natureza funcional de servidores policiais, comumente tolhidos em suas atribuições investigativas. Enfraquecendo assim toda a instituição. Existem agentes com 30 anos de atividade relegados na 2ª classe e outros que chegaram “por merecimento”, nos gabinetes, à 1ª classe quando tinham apenas oito anos na instituição. E a categoria só tinha três classes. Isso é um acinte e uma covardia. Agora, com a mudança das regras, existirá a promoção automática, porém os que já estão na 1ª classe irão para a recém-criada classe especial, e os da 2ª irão para a 1ª e se aposentarão nela. Não chegarão à classe final. Por tudo isso quando o governador Marcelo Déda assumiu o primeiro governo ganhávamos 10% dos vencimentos dos caciques. Como gorjeta de garçons, mordomos, serviçais. Queremos respeito. Precisamos de compromisso com o todo. Estamos todos entrincheirados frente ao inimigo social. É preciso uma gestão, à moda democrática, de coalizão; praças, oficiais, agentes, escrivães, peritos e delegados. Faz-se necessário um comando novo no novo comando. Nada vai mudar se ele não mudar.

*Alberto Magalhães é Agente de Polícia da SSP do estado de Sergipe.


sábado, 9 de novembro de 2013

O fracasso do Estado brasileiro


Alberto Magalhães*

O Estado é o guardião da ordem pública e do bem estar social e deve providenciar tudo o que for necessário para que o cidadão tenha preservados a sua saúde física e mental, a sua vida, a sua integridade física, o seu patrimônio e a sua educação pela qual haverá o eficiente médico, o professor, o juiz, o engenheiro, o legislador... Esses são os serviços essenciais prestados pelo Estado e em seguida, o cidadão deve ter ao seu dispor transporte, água e luz. Devemos lembrar que saneamento básico consta do rol prioritário na assistência à saúde.

O que vemos diariamente no Brasil, através da mídia, é o caos no transporte público e tantas comunidades sem saneamento básico, água potável, luz elétrica, escola, posto de saúde e delegacia de polícia operante. Vemos meliantes enfrentando a Polícia (portanto, enfrentando o Estado) em guerrilhas, com fuzis e metralhadoras, invadir órgãos de segurança para soltar criminosos e se apossar de armas do Estado, executar policiais e outros agentes da autoridade estatal, contrabandear armamento de grosso calibre em grande quantidade, estabelecer e consolidar o tráfico de drogas mais facilmente que indústrias e empresas legais conseguem se estabelecer. Também vemos um número alarmante de homicídios,roubos e menores inseridos na marginalidade.

Mas para demonstrar o fragoroso fracasso do Estado brasileiro ainda falta o fator da impunidade e de outro que falarei mais à frente. A impunidade não só é um mal que prestigia o mal original, como também gera a perigosa cultura da vantagem pessoal. Ora se outros se safam impunes eu também poderei sair impune, ou seja, eu também quero esse benefício concedido historicamente aos que tiveram acesso ao poder ou ao muito dinheiro.

A pressão social, no Brasil, ao invés de acabar com a impunidade e a corrupção alargou a abrangência destes entre os agentes públicos administrativos e políticos. No entanto os lesa-pátria estão incomodados com os baderneiros nas manifestações populares. Claro, eles não querem os holofotes apontando para a verdadeira baderna que eles fazem com as finanças públicas. Eles que negam ao cidadão mais modesto a oportunidade de ter dignidade social, sem a qual a dignidade humana fica relegada a uma simples teoria.

Já o outro fator, o ingrediente final, a cereja do chantili do comprovado fracasso retumbante do Estado brasileiro é a propagação pelas autoridades, constituídas para promover a saúde, a segurança e a educação de que lhes faltam os recursos necessários para cumprir o seu dever, para oferecer ao cidadão os direitos essenciais que dão sentido a formação de uma sociedade civilizada, governada por um Estado democrático de direito.

O carimbo do fracasso aparece quando vemos um chefe de Estado (seja presidente ou governador) dizer que não tem recursos suficientes para a saúde. Quando vemos um gestor da pasta da saúde dizer que existe a grande demanda porque o povo adoece demais ou que está vivendo mais – porém não vive melhor, por causa exatamente da ineficiente política estatal de saúde. Quando o governo diz que no Brasil não há médicos suficientes para atender a população.

Quando vemos os chefes ou comandantes de polícia a toda hora falarem que não existem policiais suficientes para dar segurança à população, mas “vão fazer um remanejamento de policiais” para determinada área. Esses brilhantes “estadistas” vão tirar policiais de onde? Dos 2 % que estão lotados em outros órgãos? Ora a defasagem de efetivo é de 100 %, em geral. O mesmo acontece com relação a juízes e promotores. Os processos se arrastam lentamente, ora em desfavor da sociedade, nos crimes, ora em desfavor dos cidadãos, na área cível. Além do atraso doloso do Estado – leia-se, gestores mal intencionados - em cumprir com a sua responsabilidade de pagar os valores devidos.

O fracasso do Estado está anunciado quando estudiosos do Brasil informam que existem mais de 100 mil criminosos para serem presos – grande parte por vários mandados de prisão - e que em cada 100 criminosos que não são presos em flagrante apenas 20 deles são identificados, 10 são presos e só cinco cumprem pena. Estou usando dados “redondos”, aproximados. Resolvida essa demanda todo o efetivo – já defasado - do judiciário precisará crescer vertiginosamente. O fracasso do Estado está visível quando vemos faltarem celas para abrigar os que estão foragidos ou prestes a delinquir, ou mesmo suficiente para os que já estão recolhidos no sistema penitenciário.

Mas todo mundo sabe que há recursos suficientes para todos esses serviços essenciais, sabe que boa parte deles é desviada para os bolsos de gestores públicos da União, dos Estados e dos Municípios, que os recursos são gastos com as mordomias e benesses desses gestores, que os recursos são mal usados em obras superfaturadas e de má qualidade - que logo se acabam e têm que ser feitas de novo, que também servem para pagar os CCs de assessores políticos desnecessários, e em valores maiores que pagos aos CCs técnicos, e que há gasto demasiado com a propaganda política dos governos.

Quando temos conhecimento de que existe uma farra dos recursos nas casas legislativas do país e em setores do judiciário, e de que o Brasil permanece no topo da lista mundial de índices do atraso e da injustiça social, depois de tanta luta de brasileiros contra a ignorância, a pobreza e a desonestidade, na construção de uma identidade nacional digna, nos vem a impressão de que já é tarde demais para reparar as variadas mazelas impregnadas em nosso país pelo iníquo sistema político que nos rege.

*Alberto Magalhães é funcionário público do estado de Sergipe e presidente do Centro de Estudos e Ação para o Progresso Humano e Social - CEAPHS.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Reminiscências sobre um corpo

(Luiz da 7ª DM, um guerreiro anônimo)

Vá meu colega, meu amigo. Vi seu corpo inerte, desnudo, ferido de morte naquela maca no IML, nesta fatídica manhã, fotografia tatuada na minha mente e alma. Antes estavam gravados a sua cara de Brutus com o seu coração de Bob esponja. A impotência frente a um corpo já sem o seu espírito sempre nos comove ao ponto de impregnar o ambiente de um silêncio denso, solene, imenso a nos imergir no pensamento comum a todo mortal. Havia mais três corpos. Embora bem próximos, tão distantes. Um ignorava a presença do outro, a sua origem, a sua história, o seu sentimento na hora fatal, o seu destino e sua sorte. A morte mútua não revelava nenhuma interação entre vocês, não traduzia nenhuma afinidade, a não ser a ausência de vida que não os tornava iguais, mesmo ali em estado semelhante. Por um instante ficamos só nós três: você, eu e a solidão da existência humana com o seu nascimento e morte, no seu enlace que afinal antes que uma ruptura, é uma sequência predeterminada pelo criador. “Morte, sina dos viventes”. Mesmo assim não era para ter sido assim a sua passagem: por causa banal, mesquinha, injusta. Mais um guerreiro anônimo que tomba no front da batalha desigual, porque o seu adversário é desprovido de regras e de honra. 

Agora nunca mais trabalharemos juntos num plantão na delegacia dos desamparados, naquele bairro excluído pelo poder público. Não mais lhe perguntarei: “Brutus, cadê Olivia Palito?” Nem mais verei a resposta do seu sorriso franco. Não mais tomarei aquela latinha de cerveja na sua companhia (sob a sua segurança, na verdade, você estava trabalhando) naquele lugar onde você ganhou dinheiro para dar assistência à sua família e onde ganhou a sua morte em troca. Quando eu cantar você não mais dançará, quando eu dançar você não mais sorrirá de mim. O meu descompasso agora será o do não encontro com você. Lá não pararei mais na minha passagem pra lhe ver e bebericar alguma coisa. Lugar onde você foi arrebatado dos seus entes queridos. A caneta que negou a sua ascensão funcional e financeira ajudou a selar a sua morte prematura.

Não nos encontraremos mais até que aquela imprevisível e gelada brisa venha para nos juntar em lugar melhor que esse de imperiosa catarse, onde aportamos quando saímos da primeira morada e da qual muitos chegam mortos ou chorando, como a temer algo que os espera.

Vá meu amigo, você morreu, mas sei que para Deus você não viveu em vão. És uma semente a frutificar em outro lugar... 

Alberto Magalhães

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Carlinhos cabeça branca não morreu


Ao contrário de um boato surgido, Carlinhos cabeça branca não morreu. Não.  Ele não nos deixaria tão cedo. Ele ainda tem que ir pra sua casa de veraneio na praia e pilotar seu bugre velho fumando aquele saboroso e maldito cigarro com gosto delicioso de mato seco. (não obstante vários amigos lhe dizerem: abandone esse veneno!) Mas ele precisava saciar sua vontade de absorver e expelir fumaça. Alguém que nunca fumou já imaginou quanto prazer existe no ato de fumar para o fumante contumaz? ou no carteado para o jogador,  na pelada para o futebolista, na cervejinha para o beberrão, nas letras para o escritor – e para o leitor, no namorar para o enamorado, no pescar para o solitário? Carlinhos cabeça branca precisa ir rondar com Catita, fazer pouco caso dos  formalistas e cuidar da sua família na casa que, com sacrifício e orgulho, construiu no Orlando Dantas nos tempos das vacas magras da Polícia Civil. Precisa ir conversar com o chefe maior – chamando-o de pai véio – e ponderar a favor de alguém. Em sua espontaneidade se confundiam o cidadão, o colega, o amigo, o homem humano... Ando tentando encontrá-lo pelos  corredores do COPE, nessas viaturas que circulam pela cidade ou no Recanto da Comida Caseira. Qualquer hora dessas irei encontrá-lo preocupado comigo e ouvir algumas das suas advertências que sempre me aconselhavam. Carlinhos de cabelos brancos derramados na sua alma alva. Está ficando difícil achá-lo nesse mundo moribundo de tantos valores mortos. Mas ele está por ai, depois de nos pregar uma peça quando se fingiu de morto. Isso eu não vi, felizmente. Por isso a sua imagem está bem viva, sempre viva a ensinar simples, mas profundas, lições para os tolos como eu.

Alberto Magalhães

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Direito penal

quinta-feira, 3 de junho de 2010

SSP, perseguição e direito de defesa

Por Paulo Márcio

Na época em que o Brasil ainda vivia sob o jugo do governo militar, o jurista sergipano Carlos Britto vaticinava: “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade”. A frase é lapidar, e, à maneira de um upanishad, encerra uma verdade que nem uma centena de tratados conseguiria explicar com tamanha clareza e precisão.

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da “livre manifestação do pensamento”, vedado o anonimato. Esse princípio, conjugado ao princípio da “liberdade de informação”, permitiu-me escrever diversos artigos aqui no Universo Político.com, cujos temas vertidos vão da filosofia à política internacional, passando, obviamente, por questões locais. Não poderia ser diferente: aqui é o meu lugar, a minha aldeia... E nem o Tejo, nem o Tâmisa, nem o Sena são mais bonitos do que os rios que banham a minha aldeia. Mas minha aldeia tem lá seus problemas, e eles não podem simplesmente ser lançados nos rios, entre dejetos e detritos, tisnando suas águas e enevoando nossas consciências.

Assim, seja cantando nossas belezas ou expondo nossas mazelas, aproveitei para divulgar alguns desses artigos entre meus colegas da Secretaria de Segurança Pública. Para tanto, utilizei-me de uma ferramenta chamada www.expresso.se.gov.br, nosso e-mail funcional, que desde que foi criado é utilizado para diversas finalidades, algumas delas estranhas à função policial civil, mas nenhuma, que eu recorde, de caráter ilícito.

Mas a chefia da polícia civil, sob a justificativa de limitar o uso do e-mail funcional a atividades estritamente policiais (numa esdrúxula interpretação de que o expresso é um “bem” da polícia civil), publicou uma odiosa portaria transformando em transgressão disciplinar o uso do correio eletrônico para fins diversos da atividade policial. A partir de então, mandar uma mensagem religiosa, desejar um feliz dia das mães, dos pais, dos namorados, ou tecer qualquer comentário que não rime com operação, prisão ou reunião tornou-se algo absolutamente proibido. Viva o princípio da eficiência! O sujeito pode passar o dia vendo sites pornográficos ou jogando paciência na tela do computador – desde que não use o e-mail funcional. É ou não é a revolução da gestão pública?

O gênio que criou a tal portaria nos quer burros, cegos e obedientes. Emitir uma opinião, fazer um juízo de valor, escrever um artigo e colocá-lo à disposição dos colegas por meio do correio eletrônico passou a ser visto como algo subversivo. Em pleno século XXI, a SSP de Sergipe criou um monstrengo, um monumento à estupidez e à intolerância como não se via desde os tempos do AI-5: “Oh! que saudades que tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais...”

É verdade. Eu, que nasci a 02 de junho de 1975 (parabéns para mim no dia de hoje!), tive a sorte de não sofrer, como muitos, as agruras do regime militar - era apenas uma criança de 10 anos quando Figueiredo despediu-se da Presidência da República. Todavia, a maldade tem uma capacidade ultrativa, de modo que o revogado AI-5 atravessou as barreiras do tempo para, reflexamente, alcançar-me por um seu filhote batizado de Portaria Supci nº 02/2010. Tremei, internautas!

(É por isso que nunca se deve cantar vitória antes do tempo. Eu, que acreditava pertencer à geração “cara pintada”, que assistira à queda do Muro de Berlim, que vira Lula e Déda chegarem ao poder, que me dedicara com um entusiasmo proporcional à minha ingenuidade à tarefa de elaborar um novo modelo de segurança pública para Sergipe, agora, aos 35 anos de idade (a sensação é que tenho 70) cheguei à conclusão de que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos... avós.).

No dia 06 de abril deste ano, a Corregedoria-Geral de Polícia Civil instaurou dois processos administrativos disciplinares contra mim. Meus crimes? Ora, escrever neste site e ter utilizado o correio eletrônico para divulgá-lo entre os colegas da SSP. As conseqüências? Se tudo correr conforme planejado, minha demissão do cargo de delegado de polícia, no qual ingressei mediante concurso público de provas e títulos. E olhe que estamos em pleno “GOVERNO DA MUDANÇA”, com direito a coraçãozinho e tudo. Como se diz em Itabaiana: pense?

Não tenho inimigos na SSP/SE, é bem verdade. Mas, por uma questão de ética e compromisso com minha família, meus amigos e meus leitores (tô ficando abusado, mas logo passa), não posso omitir a informação de que o que vem acontecendo comigo é obra do atual superintendente da polícia civil, delegado João Batista Santos Júnior, aquele senhor que tem uma intimidade incrível com microfones e um trato com os colegas de causar inveja aos mais afamados peões boiadeiros. Toca o berrante, dotô João Batista!

É da lavra de sua Excelência, doutor João Batista Santos Júnior, a estúpida portaria da mordaça, bem como partiu desse distinto senhor a ordem para a instauração dos dois processos administrativos movidos contra mim, pobre escrevinhador. Dito cidadão, que é graduado em direito e de quem, presume-se, seja conhecedor dos direitos fundamentais da pessoa humana, deve saber que existem remédios processuais para reprimir seus atos torpes e autoritários, e isso eu farei no devido momento.

Milan Kundera disse que todos somos fracos quando estamos diante de uma situação incontornável. O escritor tcheco sabia das coisas, pois vivera sob odioso regime comunista. Mas, numa democracia, em que pese também nos deparemos aqui e ali com situações semelhantes, há sempre uma possibilidade de escolha, um caminho a seguir. Ademais, temos um judiciário livre e uma constituição que nos serve de bússola. Por que, então, a covardia? Por que, afinal, a desonra? Com todo respeito, quem acha que essa é a melhor forma de agir não é homem; é espectro de homem, parafraseando o poeta.

E por falar em poeta, lembram do gaúcho Mário Quintana, aquele que foi preterido para uma vaga na Academia Brasileira de Letras por três vezes, sendo uma para Sarney e outra para Roberto Marinho? São dele os seguintes versos (Poeminho do contra), que dedico aos meus amigos da SSP e adjacências:

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

*Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, graduado em Direito (UFS), especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS), especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fa-Se) e colunista do Universo Político.com. Contato: paulomarcioramos@oi.com.br

Fonte: http://www.universopolitico.com.br/

terça-feira, 27 de abril de 2010

A Desmilitarização das Polícias - Em busca de um novo paradigma para a segurança pública.

Na pesquisa "O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil", feita pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em 2009 para subsidiar as discussões da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), ficou evidente o descontentamento dos profissionais de segurança com a estrutura militarizada.

Dos 64.130 servidores ouvidos - policiais militares, civis, federais e rodoviários, peritos, bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais - 60% consideram a vinculação da PM ao Exército inadequada. Quando perguntados se a hierarquia de sua instituição provoca desrespeito e injustiças profissionais, 65,6% dos consultados responderam que sim. Entre os policiais militares nos postos mais baixos, o índice é maior: 73,3%. Destes profissionais, 81% acreditam haver muito rigor em questões internas e pouco em questões que afetam a segurança pública, e 65,2% acham que há um número excessivo de níveis hierárquicos em sua instituição.

O relatório da consulta destaca que "as PMs não estão organizadas como polícias, mas como pequenos exércitos desviados de função", e que os resultados disso são precariedade no enfrentamento da criminalidade, dificuldade para exercer controle interno, implicando em elevadas taxas de corrupção, e frequente insensibilidade no relacionamento com os cidadãos.

Ao apresentar a "Arte da Guerra" a Lourenço, filho do nobre florentino Felipe Strozzi, Maquiavel (1469-1527) afirmou que não conhecia coisas mais incompatíveis entre si do que a vida militar e a civil.

Historicamente, os militares foram mantidos afastados da vida civil. Na Roma antiga, apenas a fração destinada a manter a ordem e a segurança interna tinha acesso à cidade; as tropas permaneciam em seus arredores. Por estas plagas, a idealização do modelo de polícia militarizada remonta ao Brasil - colônia.

Na desconfiança entre o poder central e as províncias, era mister dispor de forças policiais com caráter militar. Portugal não queria correr riscos de insubordinações inspiradas por idéias libertárias. Essas forças, subordinadas aos presidentes das províncias, eram as mais adequadas ao modelo de dominação imperialista.A república pôs fim à dominação, mas o modelo de polícia militarizada praticado no império persiste até hoje.

Em vista de tentar "unir" conceitos opostos, pode-se afirmar que o termo polícia militar é auto-contraditório. Vejamos,na origem de ambos os vocábulos, há, de fato, antônimos inconciliáveis. Enquanto polícia quer dizer "segurança", "ordem pública", "civilização", "cultura", militar é sinônimo de "combate", de "guerra", cuja base é a "força e a hostilidade". Afinal a quem serve este modelo?

A desmilitarização não implica, necessariamente, em unificação das polícias estaduais ou mesmo em extinção das polícias militares. Isto está fora de cogitação, entre outros motivos, por ser absolutamente implausível nos cenários políticos de curto e médio prazo. A desmilitarização das polícias é um passo imprescindível para a consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito no país, podendo constituir importante avanço no plano da construção democrática de políticas públicas de segurança . A militarização histórica do aparelho de segurança pública representa um equívoco filosófico, ideológico, metodológico e de finalidade, já que introjeta uma lógica de guerra no aparelho policial.

As vantagens da desmilitarização progressiva são várias: descentralizar o trabalho das PMs, facilitando a integração com as polícias civis; impulsionar a inovação organizacional, especialmente de modalidades de policiamento adaptadas aos contextos locais, o que muitas vezes é impedido pelos excessivos níveis de comando e centralização da hierarquia militarizada; diminuir as probabilidades de militarização da questão social, dificultando estratégias criminalizadoras da pobreza e dos movimentos sociais na imposição da ordem pública; reduzir as tensões entre oficialato e tropa, favorecendo a construção de perfis e estratégias agregadoras nas organizações policiais, o que aumentaria a eficácia coletiva das polícias e das políticas públicas de segurança.

Precisa-se de um remodelamento psicológico e das relações interpessoais dos seus integrantes, de forma a fomentar uma mudança comportamental de toda a corporação, com foco no cidadão. Assim chegaremos, de fato, a uma polícia cidadã, interativa, comunitária e de proximidade.
A desmilitarização é um passo fundamental para a reforma estrutural das polícias em nosso país, e constitui-se um novo paradigma no trato da segurança pública. Percebe-se ainda mais tal importância quando da sua aprovação pela sociedade na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos em 2008, como também na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública em 2009.
Permite um maior controle social sobre as instituições responsáveis pela segurança e sobre as atividades policiais, a melhoria das condições de trabalho do policial, uma vez que reduz desigualdades oriundas da rígida hierarquia militar, uma objetiva definição sobre o papel do exército e das polícias em uma sociedade democrática, evitando assim a sobreposição de atividades - tais quais se apresentam nos artigos 42, §1o., 142, §§2o. e 3o, da CF/1988.

Ser ou não ser, eis a questão, como escreveu Shakespeare em Hamlet, ou melhor dizendo construir ou não construir um novo paradigma, eis o debate.

Antônio Carlos dos Santos é Bacharel em Comunicação Social, Especialista em Violência, Criminalidade e Políticas Públicas pela Ufs e acadêmico de Direito. Contatos: antoniocarlos@universopolitico.com

domingo, 7 de fevereiro de 2010

*O Agente Policial e o Termo Circunstanciado

O Estado, preocupando-se com a desencadeada proliferação de pequenos delitos, procurou dar-lhes tratamento judicial diferenciado, seguindo a tendência do mundo moderno, ao adotar um Direito Penal Mínimo, que privilegiava medidas alternativas, agilizando o processo e possibilitando uma resposta penal mais célere, tanto para o autor do fato, como para a própria sociedade.

Neste contexto, o conceito extensivo de autoridade policial se amolda a todos os agentes policiais responsáveis pela segurança pública (CF, artigo 144) que tomarem conhecimento de uma infração de menor complexidade, os quais deverão lavrar termo circunstanciado e o encaminhar imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (Lei nº 9.099/95, artigo 69).

Com efeito, o Constituinte de 1988 e o legislador infraconstitucional não mais quiseram a intervenção do Delegado de Polícia nas infrações penais de menor potencial ofensivo, salvo nas hipóteses de ser necessária alguma investigação, como apuração da autoria ou coleta de elementos da materialidade da infração.

A autoridade decorre do fato de o agente ser policial civil ou militar, rodoviário ou ferroviário federal atuante na repressão a delitos de natureza penal, comum à polícia de ordem pública e à polícia judiciária, devendo este policial encaminhar a ocorrência ao Juizado Especial, salvo aquelas de autoria desconhecida, própria da repressão imediata, que demandam encaminhamento prévio ao distrito policial para apuração e encaminhamento ao juizado competente.

Concluindo-se pelo acerto do posicionamento daqueles que defendem a idéia de estender o conceito de autoridade policial a todos os agentes policiais integrantes dos órgãos encarregados da segurança pública (CF, art. 144), diante da filosofia que animou o constituinte e o legislador infraconstitucional para os princípios da oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade do processo.

Salutar é, pois, deixar consignado que este trabalho não teve a menor pretensão de privilegiar a capacidade profissional de uma instituição policial em detrimento de outra. Intrigas, classismos, vaidades, entre os órgãos policiais em nada contribuem à sociedade, muito antes disso, o poder de polícia, historicamente, só se justifica para promover o bem comum, sedimentado na idéia de que "o predicativo de ‘estar’ autoridade é um mister para servir e não para ser servido".

Pedro Aparecido Antunes da Silva, Policial Militar Rodoviário e Bacharel em Direito.
Fonte: Jus2.uol.com.br
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É missão constitucional da Polícia Militar, o policiamento ostensivo e preventivo com o objetivo de preservar a ordem pública. Cabe a Polícia Civil as funções de polícia judiciária, ressalvada a competência da União e excetuadas as infrações penais militares. Não é lógico que se desenvolva outra estrutura para efetuar o registro das ocorrências de baixo potencial ofensivo se a Polícia Civil tem toda essa estrutura montada. A ausência de conhecimento técnico-jurídico do agente público responsável pela elaboração do Termo Circunstanciado poderia prejudicar a preservação dos direitos fundamentais do acusado e a instrução do possível processo penal.

Seguindo o entendimento do Coronel da reserva da Polícia Militar, JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, "ela (Polícia Militar) não deve elaborar essa documentação cartorária pelo simples motivo de que já existem repartição e funcionários especializados para essas atividades nas Delegacias de Polícia. Nem deve se confundir celeridade do processo judicial com pressa das ações policiais".

Higor Vinicius Nogueira Jorge
Delegado de Polícia, membro fundador do INESP e especializando em polícia comunitária
Fonte:Jus2.uol.com.br